Sim, eu vou te incomodar sobre o seu pornôzinho
A pornografia foi colocada num pedestal pós-moderno. Toda crítica é moralismo. Mas a forma como esse conteúdo vem sendo produzido (machista, irreal e cada vez mais hardcore, graças à livre concorrência) e consumido em massa (na internet) também contribui para essa cultura de insensibilização para sexo.
A humanidade do outro é secundária ao seu tesão. Não importa o que aparece na tela ou seus bastidores grotescos, o importante é gozar. Não importa como aquela garota ou aquele “vídeo caseiro” chegou lá, o importante é gozar. Não importa como o filme foi feito e definitivamente não importa se a mulher está gostando.
A probabilidade, hoje em dia, é que você vai fazer mais sexo com seu computador do que com uma garota. Então… Quem se importa com a garota?
E não vem me dizer que a maior parte da pornografia é de boas. Porque não é. Fico imaginando meninos de 12 anos vendo mulheres humilhadas na cara, com a garganta engasgada, usadas por mais de um, agindo como crianças inocentes e sendo seduzidas, corrigidas ou coagidas e submetidas a todo tipo de estripulia, de posição não-prazerosa que culmine no orgasmo do ator homem. Ou lendo títulos como “comendo duas vadias” e “banho com adolescente”, a lá XVideos.
Somos coniventes com a pedofilia, com esse falocentrismo. Com uma sexualidade agressiva, com vídeos em que o orgasmo feminino é irrelevante e ridicularizado. “Todo mundo sabe que a mulher não está gostando”, “ela finge muito mal”… Tá. Então por que estamos assistindo?
Se você abrir qualquer site de pornô gratuito e observar todas as fotos, todos anúncios, todos os termos usados nos títulos, eu duvido que te faça sentir bem sobre ser mulher.
E se você é homem, talvez não se importe.
Boicotamos um macarrão Barilla porque o CEO fez um comentário homofóbico, mas não boicotamos sites com anúncios misóginos, humilhantes e agressivos. Com conteúdo P E D Ó F I L O. Sabe?
E aí vêm me dizer: “Ah, não tem outra opção” ou “Me masturbar é muito importante”. E eu me pergunto se é realmente uma escolha tão vergonhosa ou “último recurso” assim, se falamos abertamente sobre a pornografia que consumimos e fazemos piada com os sites que frequentamos, sem problematizar.
Então penso na minha adolescência, em mim mesma e em amigas em relacionamentos heterossexuais, fazendo sexo sem sentir prazer durante anos. Algumas mulheres pela vida inteira. Se submetendo desde jovens a todo tipo de posição sem realmente estar confortável ou entender aquilo, só para agradar… Para ver o cara feliz. Contentando-se com o contato físico, com o carinho e não com o sexo em si. Colocando seu orgasmo em segundo plano, porque (assim como nos filmes) uma mulher não sentir prazer é culturalmente aceito.
Quem liga? Certamente não os caras que cresceram achando que meninas têm que ser putas na cama. Ou que viram nos vídeos que é só colocar o I no O que o trabalho tá feito. Certamente não o cara que tem tesão em ménage a trois e assedia garotas em relacionamentos lésbicos. Nem o namorado bacana que fica chateado porque não ganhou sexo e “poxa, né, amor…”. E menos ainda o mano que convence a namorada a fazer sexo anal mesmo que ela sinta um pouco de dor.
Por que as mulheres estão nessa posição? Se desdobrando e se submetendo? Por que essa falta de empatia com elas? Como o mundo pode usufruir tanto da sexualização feminina e não dar a mínima para as garotas?
Os donos do Xvideos também não se importam. Nem os seus usuários. E sequer vou entrar no mérito dos vídeos amadores e do revenge porn, porque aí é provocar a ira dos defensores da pornografia online. Ou concordamos com o conteúdo desses sites (e muitos concordam), ou somos coniventes.
E você provavelmente se autodenominaria como da segunda categoria. Dos que ignoram a pedofilia em sites pornôs. Ou o sucesso da categoria “teen” (atualmente, é o termo pornô mais buscado no Google), porque mentalmente não compactua com esta cultura e confia que a sociedade tem discernimento. Muito discernimento. Ou ainda dos que não se incomodam que a agressividade em vídeos pornôs seja direcionada 6% a homens… e estimados 94% a mulheres.
São diferentes tipos de violência de gênero, todos alimentados pela mesma cultura. Uma cultura que não tem empatia com as mulheres. Que faz tanta menina transar sem tesão e tanta mulher depender da indústria pornô e da prostituição para viver.
“Você tira o poder da mulher. O seu trabalho, a sua família, o seu dinheiro. Você a deixa com uma única moeda… a moeda com que ela nasceu. Pode ser de mau gosto e degradante, mas se ela precisar, ela vai gastá-la” – Red (Orange Is The New Black)
E acreditem: isso tem menos a ver com “emancipação feminina” e mais com 70% do tráfico humano mundial ser de mulheres, escravizadas ou forçadas à prostituição. Dados da ONU, não meus.
A exceção não faz a regra neste caso. A maioria daquelas mulheres não está por cima, mas isso não parece gerar empatia. O distanciamento cresce. E eu entendo que todos temos hipocrisias ideológicas em nossas vidas, mas poucas delas estão filmadas e colocadas bem na nossa cara.
Que o tesão seja problematizado.
Sobre o estudo:
O estudo em si (inglês):
Relatório da ONU sobre tráfico humano:
TEDx – “Por que parei de ver pornô”:
Dados sobre a indústria pornô e depoimentos de diferentes atrizes sobre os abusos e a “iniciação” (recomendo ler!):
Dados da organização Stop Porn Culture:
Dados sobre buscas pornôs (“teens”):
Por Melissa de Miranda