Vagina cheirosa, lisa, limpa… e saudável?
“Tem cheiro de bacalhau”, “Fede a peixe podre”, “É nojenta”: quantas vezes já não ouvimos essas frases a respeito da vagina? A relação das mulheres com o próprio corpo nunca foi das melhores. Muitas mulheres se incomodam com o odor e o corrimento e usam cada vez mais produtos para disfarçá-los ou eliminá-los.
A maioria dos produtos de higiene íntima é voltada para o público feminino. Existe um apelo para que a vagina se mantenha sempre cheirosa, limpa e lisa. Em nome da “higiene”, as mulheres passaram a se preocupar cada vez em deixar tudo sempre esterilizado. Para isso, elas utilizam uma porção de produtos, que variam entre absorventes pequenos fora do período menstrual, lenços umedecidos, sabonetes e cremes perfumados, ducha portátil e até a depilação total da vagina (o nome que usamos é virilha, mas há muito tempo não depilamos apenas a virilha). No entanto, o uso de inúmeros desses produtos, ao contrário do que muitos pensam, é prejudicial.
Primeiro é preciso explicar que o corrimento branco e diário é normal. Ele é formado por secreções vaginais, suor e sebo, substâncias produzidas na região genital que, aliadas aos micro-organismos naturais à região, ajudam a protegê-la.
O excesso de limpeza altera o pH e a flora natural do órgão sexual, deixando a mulher mais vulnerável a doenças. O uso de absorventes diários prejudica a circulação de ar e abafa o ambiente, tornando-o propício para a proliferação de fungos e bactérias. Outro problema é que os sabonetes e produtos perfumados possuem muitos produtos químicos. Além deles, a utilização de lenços agride a mucosa vaginal.
Algumas mulheres sofreram com o paradoxo: estar limpa e cheirosa X enfrentar problemas. A estudante Beatriz conta que usou sabonete íntimo e teve vários problemas de irritação. “Ele resseca muito a vagina e tira suas secreções naturais. Aliado a isso, o combo sabonete íntimo + alimentação ruim + calça jeans o dia inteiro + não se secar direito = fungos e candidíase na certa”, conta. A estudante Amanda já usou produtos de diversas marcas e todos aumentaram o corrimento.
Por que só mulheres?
A relação de homens e mulheres com seus órgãos sexuais é paradoxal. Enquanto os homens se orgulham e têm muita intimidade com o pênis, as mulheres seguem com vergonha.
Você já viu lencinhos umedecidos para pênis? Ou produtos de higiene peniana nas prateleiras das farmácias? É reservada às mulheres a função de estar sempre limpa, cheirosa e delicada.
Existe uma série de motivos que explicam essa “exigência”. Um deles é a má relação da mulher com o próprio corpo. A mulher não é ensinada a encarar seu corpo e seus odores como naturais. Essa
falta de intimidade, alinhada a uma falta de conhecimento sobre as secreções naturais, leva a mulher a enxergar odores e secreções como problemas a serem resolvidos.
Em 2009, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) lançou um guia prático de conduta para a higiene genital feminina. Apesar de necessária por indicar os produtos corretos para a higiene e falar de algo muitas vezes deixado de lado na educação feminina, o documento reafirma o estereótipo de incômodo causado pelo cheiro do órgão. Em sua introdução, ele afirma: “A mulher, via de regra, sente-se insegura quanto à possibilidade de apresentar odores desagradáveis e fluxos genitais que, além de impregnar o ambiente, podem manchar
as vestes íntimas e as externas”. O texto demonstra a naturalização que essa preocupação feminina tem na sociedade.
A educação sexual repressiva também é um dos motivos da má-informação. É socialmente convencionado que a função sexual da mulher é agradar o parceiro e ponto. Daí surge a preocupação com a desaprovação do homem. A ideia de que a vagina é um órgão sujo e fedido, e de que isso pode afastar os homens, acaba fazendo com que muitas mulheres se preocupem excessivamente com isso.
Uma pesquisa da empresa SexWipes, realizada em São Paulo, revelou que apenas 56% dos homens fazem sexo oral na parceira e, desses, 35% têm nojo da vagina. E apenas alguns homens conversam sobe isso com suas parceiras. “Nenhum homem reclamou diretamente, acho que eles têm vergonha de falar sobre isso abertamente com as mulheres. Alguns fazem através de piadas e comentários em rodas de amigos”, conta Amanda. Ela diz começou a usar produtos de higiene íntima desde cedo. “Sempre quis usar os produtos que saiam na propaganda pra TV, além de me incomodar com o meu próprio cheiro”.
Outro motivo para esse uso é a correria. A mulher ganhou mais parceiros sexuais. Além disso, ela também ganhou uma longa jornada de trabalho fora de casa. Nessa rotina, para aguentar o dia todo “cheirosinha”, ela utiliza lenços, absorventes, sabonetes e tudo que garanta a higiene. É em nome da higiene que se reprime. Alguns desses produtos prometem prevenir doenças sexuais e melhorar o sexo. É balela. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) os classifica apenas como higienizadores.
Saúde
A vagina é um ambiente quente e úmido e, por isso, propício a infecções. O uso de produtos para higiene íntima é muito bem vindo quando ajuda a mulher a evitar essas doenças. Segundo ginecologistas, o uso do lenço uma vez ao dia não é prejudicial. E o sabonete ideal é o neutro, que mantém o pH entre 3,5 e 4,5 considerado o ideal. É importante lembrar que a limpeza não deve ser feita internamente.
Existe sim a secreção não natural e prejudicial à saúde da mulher, mas ela é bem diferente da que temos diariamente. Os sintomas que indicam problemas e infecções são os seguintes: corrimento amarelo, coceira, ardência e odor forte. Quando esses sintomas aparecem, não devemos disfarçar o cheiro para não desagradar às pessoas. Eles são sintomas de que há algo errado e é preciso procurar um médico e um tratamento.
Por isso, o autoconhecimento é necessário. Quando as mulheres conhecem o cheiro e as secreções naturais da vagina, elas saberão quando algo estiver errado.
Por Thaís Matos – Lado M